Abaixo-Assinado (#2115):
Brasil, 24 de outubro de 2008.
Ao Exmo. Sr.
LUÍS INÁCIO LULA DA SILVA
Presidente da República,
À Exma. Sr.ª
DILMA ROUSSEF
Ministra Chefe da Casa Civil,
Ao Exmo. Sr.
CARLOS MINC BAUMFELD
Ministro de Estado do Meio Ambiente,
Ao Exmo. Sr.
ROBERTO MESSIAS FRANCO
Presidente do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis,
Ao Exmo. Sr.
RÔMULO JOSÉ FERNANDES BARRETO MELLO
Presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Natureza,
Excelentíssimos(a) Senhores(a),
Considerando a Constituição Federal, artigo 20, inciso X, 216 e 225, os quais criaram um sistema protetivo às cavernas brasileiras;
Considerando que o Decreto no 99.556/90, representa um marco na história das políticas ambientais nacionais, posto que possibilitou efetivar a tutela das cavernas brasileiras, fazendo valer o princípio ambiental da precaução;
Considerando que atualmente tramita, perante o Executivo Federal, um projeto de decreto para inserir modificações na normatização administrativa federal, a fim de possibilitar a supressão de cavidades naturais subterrâneas;
A SOCIEDADE CIVIL BRASILEIRA, neste ato representada por todos os subscritores, vem, respeitosamente, apresentar aos Excelentíssimos(a) Senhores(a) a presente CARTA DE REPÚDIO à minuta do projeto de decreto que almeja inserir modificações no Decreto no 99.556/90, a fim de possibilitar a supressão de cavidades naturais subterrâneas, pelos termos a seguir elencados:
A Constituição Federal, em seu artigo 20, inciso X, instituiu um sistema protetivo que, em interpretação sistemática com os dispositivos 216 e 225 da mesma Carta, possibilitaram, indistintamente, a tutela das cavidades naturais subterrâneas no país. O mesmo tipo de amparo é encontrado no ordenamento jurídico de vários Estados-membros da Federação, reforçado por diversas leis federais e normas administrativas.
Coube, entretanto, ao Decreto no 99.556, de 1o de outubro de 1990, sistematizar nacionalmente os parâmetros técnicos os quais deveriam ser adotados pela Administração Pública para fazer valer a aplicação prática e efetiva dos indicados dispositivos constitucionais e legais. Através de tal norma, o Brasil colocou-se dentre a vanguarda dos países que dispõem de proteção jurídica aos frágeis ambientes cavernícolas, sendo, atualmente, referência a inúmeras nações.
Tal arcabouço protetivo, porém, nunca se pensou como imutável. Antes ser um critério engessado, a norma jurídica e administrativa brasileira vem evoluindo, conforme apontam os anseios sociais. Por conseguinte, é produto de debates e discussões que refletem o pensamento nacional acerca de como a sociedade brasileira deve gerir suas cavidades naturais subterrâneas.
A proposta que se antepõe à nossa época, qual seja, de possibilitar a supressão de cavidades, é polêmica e há anos vem sendo discutida incessante em todas as searas sociais. Nesse sentido, bastante se avançou e, em futuro muito próximo, poderá a sociedade civil organizada apresentar fórmulas as quais permitam o crescimento do país paralelamente à preservação das cavernas brasileiras.
A mesma sociedade civil, porém, não pode tolerar que o Governo Federal, unilateral e equivocadamente, edite medidas que, sem a devida participação social, inserem modificações bruscas em um sistema jurídico protecionista que há anos vem sendo construído democraticamente. Perceba-se que a ação do Estado Federal põe à margem do processo anos de debates e sérios estudos científicos, produtos de consistentes pesquisas, que deveriam nortear a legislação pelos próximos anos.
Agindo de tal modo, o Estado desconsidera a idéia central da precaução ambiental, pois se deve entender o ambiente antes de modificá-lo irreversivelmente. Toma do povo o seu direito sagrado de ser previamente consultado, a base de qualquer nação democrática. Nesse ponto, deve-se frisar que há vários projetos de lei tramitando e debatendo o tema no Congresso Nacional. O Executivo, ao tomar para si, na forma do projeto de decreto, a função de apressada e ilegitimadamente regrar o assunto, desrespeita o Parlamento e vai contrário ao princípio da separação de poderes, agressivamente desrespeitando o artigo 84, inciso IV, da Carta Constitucional, posto que não há, dentro do texto da minuta do novo decreto, juridicamente, uma regulamentação do tema, mas, sim, uma inovação da matéria, o que certamente não pacificará a aplicação da norma e somente ensejará, caso seja assim aprovada, uma transferência, no futuro, do debate para a via judicial.
A política nacional voltada ao meio ambiente, ancorada na Constituição da República, determina que a todos deve ser possibilitado o ambiente ecologicamente equilibrado, sendo esse um direito fundamental. A proposta governamental desconsidera todas essas ponderações, pois classifica somente uma diminuta parcela do patrimônio espeleológico como não descartável, instituindo um nefasto regime de barganha, através de compensações ambientais. Porém, a idéia do poluidor-pagador, ou seja, do empreendimento reverter benefícios à sociedade, não deve ser interpretada como uma licença para que se possa, indistintamente, poluir ou degradar o meio, porque o equilíbrio e a qualidade ambiental não podem ser entendidos como valores comercializáveis.
Classifica-se tal proposta, assim, como uma agressão à legislação brasileira. No texto enviado à Casa Civil são considerados critérios de relevância de cavernas, que, sequer, foram testados como métodos precisos (cientificamente, cenicamente ou culturalmente). O tema ainda se encontra em discussão junto ao Centro Nacional de Estudo, Proteção e Manejo de Cavernas – CECAV e a comunidade espeleológica brasileira. Não existiu uma completa análise sobre um assunto tão sério e de implicações tão profundas, pelo que a mesma é taxativamente repudiada. Acredita-se que o país é democrático, transparente e que deve ser outorgada a devida publicidade às decisões estatais, sempre. A sociedade civil organizada e a comunidade científica brasileira, aqui representadas, acreditam no resgate de uma discussão aprofundada sobre o assunto, capaz de atender os anseios dos setores envolvidos na busca de estratégias para a solução e/ou atenuação dos mais diversos conflitos ambientais relacionados com a proteção e conservação do patrimônio espeleológico brasileiro.
Ante essa exposição, acredita-se que a prudência deve imperar e as mudanças devem ocorrer, mas sempre obedecidas as balizas da democracia, que iluminam a evolução do Estado brasileiro.
Atenciosamente,
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