Abaixo-Assinado (#5588):
Exmo. Sr.
José Serra
Governador do Estado de São Paulo
Em 1980 foi implantada a Estação Ecológica de Juréia-Itatins (EEJI) que delimitou um trecho de Mata Atlântica, bioma considerado um dos hotspots do planeta. Isso significa que, devido à sua elevada biodiversidade e ao grau de ameaça desse bioma, toda a comunidade científica mundial reconhece a Mata Atlântica como uma das áreas mais importantes para conservação no mundo. Neste contexto, a EEJI é apontada como um dos últimos cinco santuários do mundo, detendo cerca de 4% dos 13% restantes de Mata Atlântica no Estado de São Paulo. Assim, a sua importância para a conservação é inquestionável, corroborada em cerca de 760 títulos acadêmicos e protegida por, pelo menos, 175 atos legais. Uma das singularidades dessa Unidade de Conservação Integral é a complexa heterogeneidade de relevo, solo e clima, que evoluiu ao longo do tempo e faz com que a região possua características únicas quando comparadas a outras porções de Mata Atlântica. A história das nossas florestas e seus primeiros habitantes pode ser averiguada na Juréia-Itatins, razão pela qual ela é citada como patrimônio natural e arqueológico. Apesar de todo o reconhecimento acadêmico e legal, ações gerenciais concretas para sua proteção vêm sendo adiadas. Paralelamente, sem orientação e com pouco apoio governamental, a pequena população tradicional do início do século passado cresceu e somaram-se a ela outros grupos sociais, formando, ao longo desses anos, grandes conjuntos populacionais mistos dentro da EEJI.
A saída encontrada até o presente momento foi instituir duas Reservas de Desenvolvimento Sustentável em territórios antes destinados à Estação Ecológica, que supostamente protegeriam a própria floresta e a comunidade tradicional, além de dois Parques Estaduais, que permitiriam insumos econômicos para a população. Essa alternativa foi estabelecida em 2006, com a criação do Mosaico Juréia-Itatins e derrubada em 2009, por um Ato de Inconstitucionalidade. Hoje, estamos novamente diante de propostas para a criação de um novo Mosaico de Unidades de Conservação de Juréia-Itatins, como um caminho para a solução dos conflitos gerados por esses anos desgovernados.
Nós, pesquisadores do Estado de São Paulo, queremos, nessa carta, declarar nossa posição em relação a EEJI, frente às alternativas que se apresentam em diferentes grupos sociais. Somos e seremos contrários a qualquer proposta que segmente o complexo de ambientes ainda conservados na EEJI, que interrompa os elos de conectividade ainda existentes. Em síntese, defendemos com veemência que o coração de Juréia, que abrange a Serra do Itatins, as planícies dos rios Una do Prelado, Comprido e Rio Verde e os Maciços da Juréia e do Parnapuã, sejam destinados à conservação integral. Nessas áreas, a proposta ideal é eliminar as pressões humanas, ou no mínimo reduzi-las significativamente, mas nunca ampliá-las. Pode-se, sem dúvida, considerar a possibilidade da co-existência dessas florestas voltadas para conservação integral com a população realmente tradicional e residente nessa área, cuja sobrevivência e subsistência dependem 100% dessas terras. Se o conceito de tradicionalidade for de fato obedecido, segundo critérios autênticos, o número de famílias com direito a moradia e acesso irrestrito será bastante reduzido. Nessa situação, deverão predominar os impactos ambientais de menor magnitude e, talvez, possam ser respeitados os princípios biológicos que norteiam a cadeia alimentar e a pirâmide energética, garantindo a conservação da biodiversidade remanescente da região.
Na situação atual de cobertura florestal do Estado de São Paulo, não estamos em condição de perder áreas importantes para conservação biológica, mas reconhecemos os conflitos existentes. Algumas áreas dispostas na faixa de borda da Estação Ecológica estão depauperadas em função dos desmatamentos, usos inadequados, excessivo número de moradores e partições de terrenos por proprietários. É evidente que para uma Unidade de Conservação Integral o caminho é a restauração dessas áreas historicamente degradadas. Essa é a nossa proposta. No entanto, se o consenso for pela perda de território dentro da referida Unidade, seja para um outro tipo de uso ou mesmo para uma outra Unidade de Conservação, cabe lembrar que cada hectare subtraído da atual Estação Ecológica deverá ser reposto por uma área de igual ou de melhor qualidade ambiental adjacente a essa UC. Em suma, qualquer negociação deverá vir acompanhada por medidas compensatórias, claramente dispostas em Lei. Se a opção for pela criação de áreas de Reserva de Desenvolvimento Sustentável, então a conservação será a linha mestra e a negociação deverá considerar que somente a comunidade realmente tradicional poderá viver e usufruir dos recursos desse terreno. Com essa decisão, chácaras de lazer, segundas residências, casas de veraneio, entre outros, não poderão persistir na área e seus terrenos deverão ser desapropriados, ou seja, esse acordo junto à comunidade deverá acompanhar as decisões sobre as novas Unidades e os novos limites. Além disso, para uma situação de equilíbrio, as fronteiras entre áreas com predomínio de uso humano e de conservação da biodiversidade deverão ter, obrigatoriamente, gradientes que tamponem as interferências e impeçam o seu avanço. Se esses requisitos não estiverem claros no novo desenho do Mosaico, então não há a intenção de conservar, pois essas são as premissas mínimas para garantir a conservação da biodiversidade remanescente e dos processos ecológicos, para manter a variabilidade genética, as comunidades de plantas e animais e para assegurar os gradientes ambientais e as paisagens do bioma.
Não podemos tripudiar sobre os conceitos ecológicos elementares. Não podemos apoiar a caça e o extrativismo ilegal em Unidade de Conservação. Algumas dessas ações podem criar um agrupamento de densa cobertura de copas, mas sem composição, estrutura e laços funcionais das cadeias e fluxos, criando uma “floresta” sem vida, sem equilíbrio, sem sustentação e sem razão para investirmos esforços na sua conservação. Não vamos gastar recursos do Estado para proteger tal tipo de “floresta”.
Não se pode perder de vista o que é uma Unidade de Conservação. Elas não foram estabelecidas para veranistas, para moradores pseudotradicionais ou para conter segundas residências. Precisamos questionar sobre o que fundamenta um discurso politicamente correto sob a perspectiva da Natureza. Precisamos discutir o que são valores morais, éticos, de recursos, de serviços e de equilíbrio e como efetivamente colocá-los em prática na conservação de um território ambientalmente protegido. Precisamos sempre lembrar que o significado do valor da biodiversidade é sua contribuição para o equilíbrio climático, para a manutenção dos ciclos biogeoquímicos, para a manutenção dos reservatórios naturais de água, para a absorção de resíduos e para a proteção frente a distúrbios ambientais, como enchentes e pragas. Isso é sobrevivência, isso significa vida.
É muito importante ressaltar que quando tratamos de conservação biológica, valor de recurso é valor para controle biológico, para pesquisa científica, para educação, para estocagem de elementos destinados à sobrevivência e à saúde humana, e não para acúmulo de riquezas ou para fazer justiça social. Para isso, os caminhos e as instâncias são outros.
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