Abaixo-Assinado (#7531):
MANIFESTO AO POVO BRASILEIRO
I. PROPOSIÇÕES GERAIS
1. Confiantes em que após reflexão e julgamento atingiremos bom nível de consenso quanto às questões que a seguir levantamos, e diante do estado de abandono que por décadas caracteriza o IPCN, instituição pioneira nas lutas pela conscientização política, econômica e cultural do povo brasileiro, em especial dos afrodescendentes, um grupo de sócios e amigos desta entidade, como os autores deste Manifesto, convida a todos para um mutirão fraternal com vistas ao soerguimento da Instituição, a começar pela restauração de sua fachada, resgatando-lhe o papel de núcleo produtor de conhecimentos e espaços de confraternização para nosso imenso povo que se irmana na Diáspora Negra, fato histórico mundial que de modo geral do século 15 ao 19 dá dispersão planetária, como força de trabalho, aos povos e culturas africanos. Guerreiros escravizados, assim nos tornamos protagonistas da história da humanidade e nos fizemos presentes em todo o globo através da nossa música, nossa cultura, nossa cor. Reafirmamos, desse modo, que para nós a Diáspora é a dispersão por todo o mundo do homem negro e da mulher negra, sua arte, sua cultura, não como escravos, mas como guerreiros, doadores de cultura e civilização, atributo que cumpre manter para sempre. Repudiamos em seu cerne a tese racista que pretende legitimar o racismo afirmando que nós e os povos colonizados somos parasitas de uma pretensa civilização européia.
2. É ponto pacífico a percepção geral de que a humanidade, nesse transcurso de séculos, passa por intenso e acelerado processo de mudanças, algo sem paralelo na história, dada a amplitude. E o povo brasileiro não pode se mostrar passivo nesse processo de transformações. Diante de nossos olhos, reformata-se o mundo velho, antecipando-nos o surgimento de um mundo diferente, fato que aguça nossa ansiedade. Do ponto de vista social, frente às novas condições históricas cumpre haver novos pactos entre os povos, com que se tente dar solução aos impasses vindos dos passados remoto e recente. Cumpre o surgimento de novas éticas. Hoje não mais se pode dizer que haja povos primitivos desconectados da humanidade, defasados no tempo. Quando aparecem, como recentemente nas matas peruanas, são saudados como prodígios. Hoje não mais se pode humilhar e escravizar o homem dessa ou daquela etnia diante de aplausos e indiferença gerais. Hoje não mais há terras “sem dono” a “descobrir”, mares “não navegados” a navegar, civilizações a destruir. Hoje todo mundo vê que os verdadeiros conquistadores do monte Everest são os Sherpas, etnia de montanheses do Nepal, sem a ajuda dos quais ninguém sobe ao Everest. Hoje Tarzan seria personagem bufão, bem vindo a um circo mambembe em qualquer aldeia da África. Hoje não há mais Super-Homem, ou melhor, Super-Man. Diante das novas táticas de luta dos oprimidos, vê-se que os ditos super-homens têm pavor da morte, também são homens de carne, osso e alma.
Hoje, vendo as estátuas dos faraós pela internet, a partir mesmo dos seus traços físicos todos podemos comprovar as teses do emérito antropólogo senegalês Cheikh Anta Diop: a civilização egípcia era negra ou negróide, fato jamais revelado em qualquer livro didático de história do país. Por fim, se por um lado hoje aqui e ali há recidiva da escravidão, o trabalho braçal, por anti-econômico em quase todo o mundo, tende à obsolescência. Como o patriarcado, a escravidão legitimada pela lei e costume é memória.
3. Hoje os fundamentos de uma oposição homem x sub-homem vão exigir das ideologias racistas novos argumentos, agora forjados a partir da base tecnológica à força tornada inacessível a toda a humanidade, vão depender de nível de renda salarial segundo os termos de um só modo de produção imposto à força, vão depender do domínio da dimensão lógico-simbólica dos homens, de sua força espiritual, da desvalorização de sua cultura, em especial do truncamento da História. Necessariamente, como herança da recente fase imperialista, a africanidade, a cor da pele, o cabelo crespo, tenderão a continuar como indicadores de inferioridade, prevendo-se, aqui e ali uma exceção, mas de modo que sempre se confirme a regra: – certos segmentos e grupos auto-assumidos como protagonistas exclusivos da História e já detentores de toda a riqueza, elevados ao nível de paradigmas da civilização, de poder, beleza e bem-estar, em oposição a um infinito oceano de miséria planetária. O darwinismo social aparentemente justificado. É contra esse quadro que nos cumpre lutar.
4. Se até metade do século 20, os meios de comunicação – o relato oral, a imprensa, o rádio, o telégrafo, a fotografia – ainda conseguiam nos veicular imagens de homens tidos como bárbaros primitivos, como se dizia dos nossos irmãos índios, porque em virtude de diferenças acidentais eram apartados de nós, ou seja, a partir de uma foto nos fitavam em silêncio, não falavam (note-se que a fotografia é por definição muda), a indumentária mínima ou singular, e por fim, o território habitado era a priori considerado como terra de ninguém. Hoje a imagem audiovisual a tempo real e a dispersão ubíqua de certos objetos de contemporaneidade emblemática, equivalentes às antigas bugigangas, como as marcas Coca-Cola ou Nike, além da imagem da Terra como planeta solitário, juntamente com a veiculação da fala e do gesto ao tempo em que ocorrem, atestam quanto à posse por todos os homens dos inquestionáveis atributos de humanidade, de contemporaneidade, de pertinência. Ao contrário, hoje, dada a agressão mega-industrial aos fatores ambientais e a toda a biosfera, a humanidade jaz com os povos antes ditos primitivos.
5. Hoje os filhos da Terra podem imediatamente inferir que lhes pertence o território em que, desde tempos imemoriais, estão assentadas as cinzas de seus ancestrais. A Região Polar é terra dos Inuit, isso ninguém poderá jamais contestar. Nesta, como em outras questões, impõe-se uma nova ética. Só há um modo de os homens ocuparem em comum todos os continentes, dividindo suas riquezas: como irmãos. Habitantes desse planeta, somos homens de uma só espécie, vivendo sob sistemas de crenças, convenções, chamem-nos, a esses sistemas, de costumes, leis, protocolos, pactos ou alianças. Esses sistemas necessariamente apresentam uma dimensão profana e uma sagrada. E se equivalem, podendo se combinar, se harmonizar, mutuamente se fecundando. São patrimônios espirituais da humanidade... Não podem ser objeto da sanha odienta do mais forte. A teoria do choque de civilizações pretende dar justificativa moral à barbárie dos que se dizem civilizados. Benditos sejam os Ciganos, por exemplo, com sua santa rebeldia por viverem a seu modo. Afinal de contas, que sentido haveria em evoluir para se tornar cada vez mais bárbaro?
6. Em nossos dias, todos os filhos da Terra sabem que não há, não teria podido haver, descontinuidade na história da humanidade. Os Maia e os Inca sempre esperaram a vinda dos Europeus, isso hoje é fato. Hoje todos os filhos da Terra sabem que são todos protagonistas dessa infinita fieira de eventos que começou na África. Na história da humanidade não há “figurantes” como quer certa linha de pensamento racista; todos são protagonistas, caso contrário desaparece o conceito de humanidade e nos animalizamos de vez.
7. Nessa ordem de reflexão, não pode haver nação cujos filhos sejam “filhos de chocadeira”, parasitas da cultura dominante, sem pertinência ou pertencimento, sem cultura e sem história próprias, tenham surgido num território por obra de um demiurgo ou senhor de engenho qualquer, dessa ou daquela etnia, apartados da Árvore e da História de onde todos descendemos. Não pode haver nação cujos filhos que já antes ocupavam o território devam ser tidos como primitivos, não-cidadãos, obrigados a se voltarem para os estrangeiros. Se tal nação existisse, nem ela os mereceria nem eles a ela.
8. O Brasil é nação formada por homens e mulheres provindos de todos os troncos da Árvore da Humanidade, os quais poderão estar evoluindo para uma misteriosa síntese DNA-Cultura, reciprocamente doando e recebendo suas heranças materiais e espirituais. Em nosso caso, esse patrimônio cultural e material é o capital com que cada tronco participa do concerto nacional. Cada tronco protagonizou e protagoniza papéis de importância capital no concerto que justifica nossa união aqui e no mundo. Os papéis são importantes não apenas porque os protagonistas sejam negros, índios ou brancos, mas porque são seres humanos. O que está em jogo daqui para o futuro é o inquestionável reconhecimento por todos dessa obviedade histórica: – Brasil, uma nação de todos, formada pelo patrimônio de todos, onde o racismo e a intolerância religiosa são crimes inafiançáveis. A haver desigualdades – condição em certos aspectos inerente à vida social, essas não podem se basear no pertencimento a esse ou àquele tronco, a essa ou àquela cor, religião ou orientação sexual.
9. Dada à inércia específica ao nosso tradicionalismo autoritário, a cada dia a dinâmica de desenvolvimento da sociedade brasileira mais tende a reforçar, a partir de critérios étnicos, o modelo de origem colonial concentrador de renda, promotor da exclusão e da barbárie. Aqui a riqueza tem cor, tem “raça”, embora para tal os poucos privilegiados não tenham fundamento histórico legitimado pela moral. O modelo que os enriqueceu vem da Colônia e da escravidão. A Nação, que desde 1888 é integrada a partir de suas raízes pelas etnias que lhe deram e lhe dão sustentação no campo da produção, do trabalho em sua expressão real, encontra colossais forças de retrocesso e ruptura nas práticas de exercício antidemocrático do poder político, de concentração da renda socialmente produzida, de apropriação das riquezas do território nacional, apropriação exclusivista e cada vez mais realizada antes por consórcios estrangeiros que por elites brasileiras saídas do entrechoque competitivo entre todos os brasileiros. Em contrapartida, da posse da terra o povo é excluído há quinhentos anos, não obstante a Independência e as diversas Republicas. Lutemos para que os próximos governos avancem na questão do direito à terra como tem acontecido do ano 2000 para cá. Aqui a riqueza tem cor, tem raça, embora para tal os poucos privilegiados não tenham fundamento histórico e social legítimos, repita-se.Aqui, diferente do que ocorreu na Europa, a tal “nobreza” jamais defendeu a terra. Aqui, sempre, é o povo de base que tem tirado da inércia, da preguiça e pasmaceira esse e aquele grupo de aristocratas e classes médias mais rebeldes, pondo-os à testa de processos históricos anunciadores do devir, processos a princípio por eles repudiados. No período colonial, tenha-se em mente o Quilombo de Palmares – a idéia de uma nação nossa, não deles, começa com os escravos, com o povo negro e índio. No período nacional, citemos a Petrobrás, a original CSN e as demais indústrias de base criadas com o dinheiro dos que aqui pagam imposto, para não irmos mais longe. Ainda soa aos ouvidos de muitos o mote dos reacionários ao grito de “O petróleo é nosso” – “E a borracha também” (o cassetete).
10. Especificamente relacionados às questões de natureza inter-étnica, há fatos caracterizadores de impasse, ruptura, retrocesso, muitos nascidos a partir da necessidade de obediência a mandamentos da Constituição Cidadã de 1988.
11. A começar pelo principal objetivo da Nação – criar uma nação justa. Esse mandamento exige imenso conjunto de políticas públicas de efeito imediato, que levem alguns jovens dos segmentos eternamente massacrados a uma etapa de formação escolar tão eficiente que lhes abra perspectivas sociais, e isso já para a atual e para as próximas décadas. É aí que se levantam as forças de oposição, argüindo contra a constitucionalidade dessas normas, descaracterizando-as, até mesmo forçando a anulação das experiências relacionadas à política de quotas, hipocritamente protestando-se, nessa hora, apoio à melhoria da escola pública de primeiro e segundo graus, antecipando ironicamente que essa discutível melhoria poderá ocorrer daqui a mais de cinqüenta anos. Ocorre que a se deixar como sempre esteve, continuaremos a ter as quotas às avessas, isto é, para os ricos. Lamentável é que graças à ignorância e alienação, alguns segmentos do próprio movimento negro, direta ou indiretamente, concordam com essa interpretação.
12. A seguir temos também a questão das terras quilombolas e das reservas indígenas, apresentadas como concessões ilegítimas, a serem cassadas, num próximo governo e congresso reacionários, esquecendo-se de que o estado colonial ou nacional jamais tiveram a posse legítima, o poder incontestado de ocupar a maioria dessas terras, sendo elas de fato ocupadas por quem nelas sempre viveu e vive sem ajuda de ninguém, sua propriedade devendo lhes ser deferida como legítima após quinhentos anos de defesa e posse. Opte-se por novos ocupantes – como se quer, aí então que a legitimidade da doação ficará escandalosamente conspurcada pelo racismo.
13. Há a questão das duplas e triplas nacionalidades. Como sabemos, dos anos 70 para cá, as ex-potências colonizadoras e estados religiosos passaram a abertamente estender a nacionalidade aos filhos de seus emigrantes em todas as partes do mundo, quando solicitado. O estado brasileiro tem respeitado esse princípio até para pessoas jurídicas. Nada a opor. Para esses indivíduos, observe-se, não há pertinência nacional exclusiva. De posse de nova nacionalidade, nada impede que esses brasileiros saúdem nova bandeira, assimilem nova história nacional, nova pauta de hábitos e costumes, façam novas alianças e assumam nova identidade. A brasilidade de cada um passa a ser questão de foro íntimo.
14. Mas, de pronto se levanta uma questão de “lesa majestade”, de traição ao Brasil, de ruptura do tecido social, quando se trata de aplicar a Lei 10.639, de 2003, que tornaria obrigatório (caso a lei ganhasse aplicação) o estudo da história e cultura africanas no ensino médio e fundamental do Brasil, aplicação de lei que, constitucionalmente aprovada, se espera naturalmente ocorra em todo país que respeite a sua própria ordem jurídica. Aqui não. Dois pesos, duas medidas. A má vontade política das elites em conluio com professoras, professores, orientadoras e diretoras de escolas públicas, auto-assumidos como “juízes de última instância”, nesses quase dez anos, em obediência a atávicos sentimentos “racistas”, têm burlado a lei, acintosamente dando como desculpa que assim o fazem para que no Brasil jamais haja “racismo” (..?..). Nada obstante, como vemos, o racismo permanece, levando de quebra a destruição de templos de religiões afrobrasileiras, o genocídio de jovens negros e pobres etc.etc. Para completar, agora há brasileiros “livres”, de duas e três nacionalidades, e brasileiros compulsórios, de uma só, com a agravante de serem considerados deserdados dos pontos de vista material e cultural, filhos de chocadeira, além de cidadãos de segunda classe, gente sem História, parasitas da cultura dos outros, como despudoradamente afirma o discurso racista. Por óbvio que, segundo a compreensão dos brasileiros afrodescendentes, o conhecimento da história e das culturas africanas e da sua grande Diáspora Negra, jamais irá de encontro à nossa inquestionável brasilidade, já que mais que formadores, somos criadores do Brasil, somos raiz. Não podemos repudiar o que construímos com sangue. Queremos só e simplesmente que a “escola” legitime nosso orgulho, legitimando nossas origens e passado, mostrando a todos o que já intuímos pela consciência profunda: não obstante a “estória” que nos ensinam há quinhentos anos, somos protagonistas da História da humanidade. Inserida nessa questão está a imposição goela abaixo do Estatuto da Igualdade Racial, recentemente aprovado após descaracterização total do projeto original, que já nos era insuficiente.
15. Há, ainda, entre os objetivos do soerguimento do IPCN a luta por impedir a prossecução de tendência em curso desde os anos 80, responsável pela descaracterização e destruição das organizações ligadas aos movimentos sociais orientados a partir de uma militância ética, aquela que visa um futuro melhor para todos. Referimo-nos à necessidade de dar um basta à cooptação como prática sistemática, fato indutor da fragilidade estrutural das entidades associativas do povo, cujos membros de base passam a ser imagens da internet, uma insólita “second life”, seus diretores e presidentes sendo estimulados a viverem de propinas de empresários e agentes político-partidários, a partir da aceitação de dinheiro oriundo de projetos sociais geralmente duvidosos e de promessas e oportunidades de cargos públicos, desde que se ponham a reboque desses partidos políticos, igrejas e empresas. Nada a opor quanto à participação do Estado e das empresas públicas e privadas no financiamento das atividades culturais ou mesmo do custeio das entidades associativas da sociedade civil, as oscips, fundações e associações legalmente constituídas e geridas para a realização de trabalhos em defesa dos bens e valores materiais e espirituais de nosso povo. Essa prática fortalece a democracia. Mas o efeito é totalmente contrário quando essas entidades e suas diretorias são falazes, fajutas e visam interesses pessoais.
16. Com relação à política de cooptação, cabe ainda denunciar a proliferação, a partir de 1988 nos níveis estadual e municipal do Estado brasileiro, de “secretarias de promoção dos negros, negras etc.”, geralmente criadas por decreto, extinguíveis à vontade do governador ou prefeito, sem participação no orçamento, logo sem verbas e metas, sem quadro de funcionários próprios, vazias de qualquer capacidade de autogestão, de realização, mas que enchem seus titulares de empáfia e enganam o povo. São secretarias para “inglês ver”, cumpre que todo o povo brasileiro saiba e peça sua substituição – esses “prêmios” aos cooptados, pagos por nós mesmos –, por órgãos que resultem de lei, com verbas e quadros adequados a objetivos e metas definidos. O atributo étnico de sua titularidade carecerá, então, de importância, como deveria ser o caso na questão da titularidade de qualquer outra agência do poder público.Que adianta nomear um negro para uma secretaria “de negro” vazia, ao passo que se exclui o negro dos escalões superiores da administração?
17. No Brasil como em qualquer parte do mundo, para os seres humanos o desafio continua a ser o mesmo, como formulado pelos humanistas do Renascimento: Ou a Humanidade pertence a meia dúzia de homens, ou meia dúzia de homens pertencem à Humanidade. Substitua o termo humanidade por Brasil, por Planeta, por Cultura universal... Na luta por um Brasil de todos os movimentos sociais são imprescindíveis. É a partir dessa compreensão que devemos começar a falar em democracia.
18. Para que não nos acusem de maniqueístas ou racistas, admitimos que sob a pressão da miséria, exclusão e fome endêmica antes e após o 13 de Maio de 1888, alguns de nossos irmãos, em proporção nem maior nem menor do que ocorre com outras etnias, têm abaixado a guarda quanto à proteção espiritual e o nível da própria auto-estima, desse modo geralmente confirmando certas expectativas do discurso racista: abandono de si, marginalização, delinqüência, incapacidade de levar a bom termo suas iniciativas... Pois bem, o soerguimento do IPCN é também para negar validade a esse discurso, PORQUE SIM, NÓS QUEREMOS.
IPCN, SÍNTESE DA HISTÓRIA E
PLANO DE AÇÃO IMEDIATA
O IPCN foi fundado no início dos anos 70, em plena ditadura militar. Diante da rigidez das instituições políticas da época, um punhado de jovens – homens mulheres, oriundos de todos os setores, funcionários públicos, bancários, comerciários, advogados, jornalistas, atletas, artistas plásticos, atores, jornalistas, dentistas, músicos, compositores, sambistas, técnicos, pequenos empresários, poetas, estudantes, trabalhadores autônomos e desempregados – mobiliza-se em conjunto, sob a bandeira NÓS QEREMOS mudar a situação do negro brasileiro.
Era, então, algo beirando o impossível. Afinal, desde a proibição da Frente Negra Brasileira, quando do início do Estado Novo (1937) nenhuma outra reação coletiva do negro brasileiro tinha conseguido prosperar. Vivíamos sob a quarta edição republicana – por sinal sua mais cruel encarnação desde os primeiros experimentos ditatoriais republicanos, após o fim da escravidão no Brasil. Em certo sentido, era mais uma tentativa de se criar neste paraíso tropical mais uma utopia européia/cristã, em cumprimento a tantas profecias de um Novo Mundo – A Terra Prometida a essa e aquela etnia, mas não a todas.
Uma a uma, todas as recentes reações contrárias a um projeto de nação excludente haviam sido subjugadas: Dom Oba, Conselheiro do Rei e Defensor dos Pobres, transformado em personagem histórica ridícula; a Guarda Negra dizimada e dispersa, a propósito, rediabolizada pós-64; Canudos e tantas outras rebeliões sufocadas. Assim já ocorrera na Independência, quando se acreditou que a Nação e a liberdade seriam para todos os brasileiros – os Malê que o digam. Ao final da Guerra do Paraguai o que havíamos ganhado? Nossa primeira Favela, hoje Morro da Providência, berço de Machado de Assis e origem da Pequena África, rica em personagens que marcaram em definitivo a História e a Cultura Nacional. É aí, nos espaços da sociabilidade negra – as casas de nossas Tias Ciatas – que nasce o samba. O patrono do Exército há muito que não mais era Henrique Dias que, ao lado de Felipe Camarão, deram significação nacional à luta de poucos donos de engenho pela expulsão dos holandeses.
Esse era o Brasil que aqueles jovens se atreveram a enfrentar – Cite-se apenas um nome dentre os ideólogos dessa luta: o advogado Ives Mauro Silva da Costa. Cite-se também o primeiro membro observador da Casa, que em certo sentido se tornará nossa garantia: Coronel Octávio Nicol de Almeida, porta-voz, segundo ele, do Presidente General Ernesto Geisel. Depois viriam outros, mas camuflados, do DOPS, CENIMAR, PARASAR etc.
Pulando de “aparelho” em “aparelho”, de residência em residência, incluindo a sede de algumas instituições ( ICBA – Instituto Cultural Brasil-Alemanha, Teatro Opinião, ASLURJ – Associação dos Servidores da nossa Comlurb), finalmente obtivemos o apoio financeiro da Inter-American Foundation, do Partido Democrata dos Estados Unidos, para adquirir o imóvel da Rua Mem de Sá 208, junto à Cruz Vermelha, no Rio de Janeiro, oficialmente fundado em 8 de junho de 1975.
Seguiram-se anos de grande prosperidade, mas a história não acabaria aí. Veio a Abertura Democrática e com ela vários lideres se dispersaram. Acreditávamos mais uma vez que ela, a Abertura, seria para todos. A partir dos meados dos anos 80, passamos então a conviver com uma série de dificuldades que resultaram num violento processo de degradação patrimonial e moral a ter curso acelerado nas duas décadas seguintes.
Ao ver o outrora imponente prédio em ruínas e a Instituição praticamente fechada, um grupo de fundadores resolveu reagir e procurou sua diretoria comunicando-lhe haverem decidido promover plano de contratação de uma obra para restauração, ao menos das duas fachadas e retomada das atividades. Nesse sentido, foi contratada a firma OCRES Arquitetura Ltda. ao custo de R$ 48.000,00. Pela urgência da situação, foi dado o primeiro passo para reunir 12 pessoas dispostas a contribuírem com R$ 4.000,00, divididos em quatro parcelas, segundo o fixado no primeiro acordo. Muitos foram convocados, mas a adesão concreta, não obstante às muitas declarações e promessas de apoio, está até o momento muito aquém do necessário. Mesmo assim, a obra foi iniciada e a primeira parcela, resultante de um novo acordo para pagamento em cinco vezes, já foi quitada, com o auxílio de um empréstimo. Para reinício das atividades, é urgente a recuperação do telhado e interiores. Para tanto é preciso, desde já, começarmos a organizar ações preliminares. Pensamos reunir 120 pessoas com a responsabilidade de contribuírem com R$ 400,00, divididos em quatro parcelas, depositadas na Conta Corrente “CAD RECUP DO IPCN”, do Banco do Brasil, Agência 3260-3 e Número 9297-5. Habilitando-se, esses doadores beneméritos, ad referendum de uma Assembléia Geral e disposições estatutárias, a fazerem parte do Colégio de Conselheiros e Gestores, o qual se constituirá, juntamente com um existente e atuante conselho fiscal em guardião do cumprimento às normas aprovadas pelo quadro de associados, principalmente, o resgate moral do IPCN.
Abandonado como tem estado nesses últimos anos, ao IPCN restam todas ou qualquer das seguinte possibilidades: a) ter sua sede ocupada por pelos sem-teto, como já ocorrido; b) ter a sua sede revertida à posse do Estado ou do Município em função das dívidas acumuladas; c) ter as diretorias irregulares que se tem sucedido nos últimos anos transformadas em heróis, o que de modo algum corresponderia a verdade; d) confirmar versões inverídicas sobre a história do Movimento Negro no Rio de Janeiro; e) abrir precedente para que o mesmo que ocorreu com o IPCN venha a ocorrer com toda e qualquer entidade associativa popular; f) enfim, confirmar as interpretações racistas que dizem sermos os negros incapazes de levar a cabo nossos empreendimentos coletivos.
Não fique de fora, nós já decidimos: RECUPERAÇÃO DO IPCN JÁ:
NÓS QUEREMOS!
Dia da Consciência Negra, 20 de Novembro de 2010
Benedito Sérgio
Ailton Benedito de Sousa
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Texto editado a partir de versão publicada no blog dos membros do grupo à testa das atividades de recuperação do IPCN http://www.recuperacaodoipcn.blogspot.com/ Projeto/diagramação Luciana Barbosa e Stevie
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