Abaixo-Assinado (#52712):
A publicação de um pedido de socorro nas redes sociais de duas atrizes, causou certo alvoroço por ter trazido à tona um caso de disputa de guarda, envolvendo violência, medida protetiva e a lei de alienação parental. O caso, em questão, tramita sob o manto do sigilo judicial, e pouco se pode falar dele nesse momento em que as decisões não foram, ainda, definitivamente tomadas. O que se pode dizer é que a mãe, depois de 72 horas de aflição e desespero, conseguiu ter o filho nos braços, depois de uma sentença de urgência que exigiu que a criança fosse entregue, sob pena de multa.
A situação em comento não é caso isolado. Uma mulher que vive anos e anos sendo violada psicologicamente consegue, em certo momento, fugir de casa. Com o agressor não é possível travar diálogo, uma vez que todas as tentativas se revestem de mais agressões, frustrações e humilhações. Com apoio externo, a vítima consegue sair do abuso e pedir ajuda na Casa da Mulher Brasileira. Ali, consegue uma medida protetiva. É obrigada a solicitar remoção do seu local de trabalho, deixando para trás, além do seu lar, que deveria ser o seu porto seguro, as suas referências, os amigos do trabalho, as amigas confidentes, para reconstruir a sua vida livre da opressão.
Apesar de passar por todas essas violências, essa mulher é impedida de mudar de município, sob a acusação de estar cometendo alienação parental, como se o intuito da mudança fosse afastar o pai do filho. Apesar de ter provas do contrário e de o filho se comunicar com o pai diariamente, a mãe é acusada de alienação parental. Em nenhum momento a decisão judicial levou em consideração a situação da mãe, vítima desse pai, que a aterrorizava dentro de casa, quando ninguém estava por perto, que, constantemente, diminuía o seu papel de mãe e de mulher para os próprios filhos.
Muitos são os homens que, após a vítima se libertar do cativeiro, investem o seu tempo, dinheiro e energia para continuar a aterrorizar a vida da vítima por meio de infindáveis processos judiciais; idas e vindas à delegacias; acusações perante os amigos, conselho tutelar e até familiares; denúncias falaciosas e toda sorte de perturbação da paz, recém conquistada.
Os mandamentos da lei Maria da Penha são ignorados, dentro e fora dos processos judiciais, nas delegacias, nos espaços que deveriam servir de proteção. A palavra da vítima é questionada; a vítima passa a ser considerada, até judicialmente, como a agressora. A violência psicológica sofrida é simplesmente IGNORADA. A medida protetiva é extinta, mesmo com a afirmação da justiça de que houve violência doméstica e sem consultar a vítima sobre essa extinção, como prevê a lei.
A existência de um filho, laço que une o agressor a vítima, não poderia servir de instrumento de tortura, não deveria servir como venda para esconder a violência sofrida pela vítima, pela mãe, nesse caso. Não é possível que um intérprete do direito não perceba que, nesses casos, não é possível haver o compartilhamento da guarda, uma vez que a mãe fora e continua sendo vítima do pai da criança.
A lei de alienação parental que, no México, foi objeto de ação de inconstitucionalidade, tem sido questionada por diversos países, movimentos e organizações, como o Comitê Latino Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), por não possuir base científica consolidada e por, na maioria dos casos, não proteger as crianças e estigmatizar as mulheres, tornando-se mais uma forma de criminalização das mulheres e legitimação dos agressores.
O agressor em comento, além de fazer com que a violência perpetrada contra a vitima, mãe de seu filho continue, ataca toda a família materna por meio de absurdas acusações, desqualificando as tias, as amigas, os familiares e qualquer pessoa que seja solidário com a dor dessa mãe. Amigos e familiares do agressor iniciam questionamentos, agressões e ‘hashtags’ contra as mulheres, acusando-as de mentirosas, “fake news”, falsas feministas e outras coisas.
É curioso perceber a quantidade de pessoas que se manifestaram, prontamente, em defesa do homem, sem mesmo conhecer os fatos, o contexto e muito menos a vítima. Mas basta o fato dela ser mulher para que a voz masculina, sensata, clara, direta, racional, encontrasse guarida e apoio para sua honra e caráter.
Este não é um caso isolado. Estamos cansadas de ter que provar a violência psicológica e o assédio moral sofridos. A violação acontece o tempo todo, em todos os lugares, por isso assusta pensar que o Judiciário Brasileiro, principalmente a Vara da Família, não seja permeado por pessoas conhecedoras das astúcias e estratégias dos agressores, das possibilidades e permeabilidade das agressões e, ainda, utilizem a legislação que deveria ser protetiva, contra a vítima.
Nós, mulheres, estamos cansadas de sermos submetidas a esse sistema machista, estruturado pelo patriarcado que legitima juízes, advogados, delegados, promotores, assistentes em todas as áreas, escreventes, e até mulheres, que não nos respeitam como mulheres, como mães, como profissionais e como vítimas desse sistema.
O fato de a mulher ser mãe torna-se punição à mulher. Ela é preterida no momento da busca por uma vaga de emprego, é ignorada no trabalho, é ignorada no momento da promoção e nas reuniões, é humilhada pelo marido, é violada dentro do próprio lar, mas, apesar de tudo isso, deve ser compreensiva, deve tentar a conciliação, deve tentar apaziguar, deve relevar, deve, deve, deve e deve.
A mulher vítima de violência psicológica, moral, econômica e até sexual, acaba fazendo acordo, pois está cansada. Cansada de lutar, exausta psicologicamente, exaurida economicamente, exausta fisicamente. Todas as mulheres, a mulher pobre, a mulher negra, a mulher branca, a mulher sozinha, a mulher trabalhadora, são todas violadas constantemente no seu dia a dia, nas suas vivências e convivências.
Há tempos colecionamos diferentes relatos, muito similares aos de Débora. Muitos casos concatenados, embora cada um guarde a sua singularidade. São muitas as redes que nos conectam. Neste caso, elas se calaram por oito meses. Mas, quando gritaram, a voz dessas mulheres chamou outras vozes. Não é mais possível viver em um país no qual o Sistema de Justiça dá voz, protege e legitima o agressor, fazendo com que a vítima seja violada ainda mais, durante o processo.
Não é preciso morrer para existir como vítima. Não aguentamos mais ver os números crescerem nas estatísticas de feminicídio. Parem de nos matar! Parem de nos calar. A partir de agora, estamos juntas, pela observância rigorosa da Lei Maria da Penha, pela aplicação da Lei da Alienação Parental sem o viés de gênero, ou seja, contra as mulheres, e pela atuação do Judiciário sem os ranços do patriarcado e do machismo, que permite a perpetuação da violência contra a mulher.
Vale dizer que no decorrer da semana, a vítima teve novamente concedida a Medida Protetiva, após apoio da Casa da Mulher Brasileira. Estaremos alertas e atentas para que seja permitida a ela a escolha de onde morar e como recomeçar sua vida, e para que esse processo não se estenda mais do que o necessário.
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