Abaixo-Assinado (#7915):
No Brasil, durante a Ditadura Militar, os órgãos de repressão política valeram-se muitas vezes de “infiltrados”, ou “cachorros”, militantes de esquerda que se tornaram colaboradores do regime — e passaram a delatar seus companheiros de luta. Em determinados casos para salvar a própria vida, em outros casos porque simplesmente venderam-se, esses infiltrados ou cachorros prestaram grandes serviços à Ditadura, às vezes ajudando a aniquilar organizações inteiras, ao fornecer informações que levaram à morte dezenas de opositores.
“Cabo Anselmo”, ou José Anselmo dos Santos; e “Jota”, ou João Henrique Ferreira de Carvalho, são os paradigmas máximos desse tipo de infiltração, pois tornaram-se cúmplices de diversos assassinatos praticados pelos agentes da Ditadura.
Em seu livro Um tempo para não esquecer: 1964-1985 (Editora Achiamé, 2010), o historiador e professor Rubim Santos Leão de Aquino dedica um capítulo inteiro aos “Colaboradores, Infiltrados e Informantes do Regime Ditatorial”. Nada há de pesquisa original neste capítulo: o autor limita-se a compilar informações publicadas em outros livros ou em publicações jornalísticas. Porém, o faz de maneira descuidada e sem checar suas fontes. O resultado é que ele comete duas graves injustiças.
Aquino afirma, na página 240: “Dois militantes da ALN são apontados como colaboradores da repressão em diligências de identificação e captura de integrantes da organização: Cloves de Castro e Darcy Toshiko Miayazaka. A denúncia consta em Gorender às páginas 482 e 483.”
Tal denúncia contra os dois veteranos combatentes carece de qualquer fundamento. Note-se que o comentário, como diversos outros feitos no mesmo capítulo, aparece sem qualquer contextualização prévia; usa-se, ademais, um verbo ambíguo para acusação de tal gravidade: “são apontados como colaboradores” (destaque nosso). Mas, pior ainda, a citação está errada: o livro de Gorender, Combate nas Trevas, tem apenas 294 páginas.
Na verdade, Aquino queria citar o livro de Luís Mir, A Revolução Impossível (Editora Best Seller, 1994). Neste sim, são citados Cloves e Darcy, respectivamente às páginas 482 e 483. Mas o que consta do livro de Mir? Vejamos, começando pela página 481, em que contexto esse autor fala de Cloves: ao mencionar o caso de Hans Manz, “Alemão”, um ex-militante da ALN sobre o qual pesam fundadas denúncias de colaboração com a Operação Bandeirantes (Oban) e o DOPS.
Vale transcrever esse trecho do livro de Mir:
“Hans Rudolf Jacob Manz- Preso em 18 de dezembro de 69, foi denunciado publicamente como colaborador inadvertidamente pelo capitão Benone Arruda Albernaz, que surpreso ao vê-lo sendo espancado no pátio da Oban ordena histérico:
Parem de bater! O alemão está colaborando!
Cloves de Castro, seu companheiro de ALN e PCB:
Ficava em cela aberta no DOPS, com direito a saídas. Começa a trabalhar no sistema repressivo. Depois de sua prisão, por acaso, encontrei-o duas vezes e ele se afastou imediatamente. Em 73, num café na praça da Sé e em 79, na Praia Grande” (destaques no original).
No parágrafo seguinte, Mir explica que Hans Manz saía da cela do DOPS “para acompanhar diligências de identificação e captura de militantes”; que “não entregou todos os militantes que conhecia”; e que é “conhecido como Alemão”.
Provavelmente como resultado de uma leitura desatenta, Aquino interpretou que o trecho em itálico em que Cloves descreve para Mir a conduta do ex-companheiro de ALN referia-se ao próprio Cloves! Ou seja: Aquino concluiu que Cloves é que ficava “em cela aberta no DOPS, com direito a saídas” etc.
Trata-se de um erro imperdoável, em vista da gravidade da denúncia feita por Aquino. Afinal, Cloves jamais foi “apontado como colaborador da repressão”, nem por Mir, nem por Gorender, nem por seus ex-companheiros de militância na ALN e no PCB. Ao contrário, ele goza do respeito dos antigos militantes, por seu comportamento diante da tortura e, posteriormente, como preso político. Aquino desonrou o ofício de historiador: além de citar a fonte errada, confundiu personagens antagônicos.
Quanto a Darcy, o erro de Aquino foi ter chancelado a versão difundida por Mir a respeito dessa militante. Vejamos o que diz o autor de A Revolução Impossível:
“Darcy Toshiko Miayazaka- Companheira do último dirigente nacional da ALN no Brasil, Luis José da Cunha. Concluído o treinamento militar em Cuba, foi enviada para a Coréia do Norte para discutir cooperação política e militar entre a ALN e o governo coreano. Depois de sua prisão, começou a colaborar ativamente, participando de diligências e capturas de integrantes da ALN”.
Mir não cita as fontes que sustentariam as acusações contra Darcy. Muitos militantes da ALN sobreviveram à Ditadura, e nenhum deles relata qualquer envolvimento de Darcy com os órgãos de repressão.
Aquino, por sua vez, reproduziu a informação publicada por Mir sem qualquer filtro, exceto a ambiguidade da expressão “foram apontados”... Assim como o próprio Mir, não se deu ao trabalho sequer de conversar com Darcy ou com seus ex-companheiros.
O comportamento de ambos os historiadores, no tocante ao modo como se referiram à ex-militante da ALN, merece uma dura advertência. Como é possível publicar uma acusação de tal gravidade sem qualquer fonte que a sustente — documento, depoimento? Quem é o autor da acusação a Darcy e qual o teor preciso da acusação?
Rubim Aquino e Luis Mir devem desculpas a Cloves de Castro e Darcy Toshiko Miayazaka, pelos graves danos causados à reputação de ambos. As editoras de seus livros têm a obrigação de recolher os livros com as acusações indevidas; publicar uma errata dirigida aos compradores e leitores da edição original; e publicar novas edições, devidamente corrigidas.
Mais ainda: Aquino e Mir devem submeter a cuidadosa revisão todos os demais casos de suposta delação que publicaram, para verificar se não cometeram outras injustiças.
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